Klerman Wanderley Lopes - Outubro de 2007
Introdução
Antes da sua unificação política em 1861, a península italiana era formada por Estados autônomos, sendo o Reino da Sardenha um dos mais importantes.
A crescente onda de emigração visando as oportunidades do Novo Mundo estimulou o empresário Rafaelle Rubatino a constituir linhas de navegação ligando o porto de Gênova a Buenos Aires e New York. Com a garantia de subsídio do Governo Sardo em troca do transporte gratuito de diplomatas e correspondência oficial para o Brasil e aos países do Prata, foi então criada em 1852 a “Compagnia Transatlantica”, sendo alocados recursos para a encomenda de sete vapores a estaleiros ingleses. Com o esfôrço da construção naval britânica em prover navios para a guerra da Criméia, a entrega dos vapores atrasou e somente em 1865 ficaram prontos o “Vittorio Emanuele” e o “Conte di Cavour”. Atendendo ao Tratado de Amizade que ligava o Reino da Sardenha à Inglaterra e França, esses foram alugados ao Governo Francês no transporte de tropas para a guerra, ainda em curso. Com o fim do conflito, a devolução dos navios e a entrega pelos estaleiros ingleses dos vapores “Genova”, “Italia” e “Torino”, pode então a Companhia iniciar as suas operações em 20 de outubro de 1856, com a partida do “Genova” em direção ao Rio de Janeiro, onde aportou em 5 de dezembro, após viagem de 36 dias. Para fazer a ligação do Rio de Janeiro a Buenos Aires a Companhia adquiriu um navio de menor porte, o “Sardegna”, que partiu para o Rio com a antecedência necessária para estar a postos quando da chegada do “Genova”. Logo foi substituido pelo “Italia”, maior e mais rápido e retornou a Gênova. A rota da Companhia incluia escalas em Marselha, Málaga, Cadiz, Tenerife, São Vicente (Cabo Verde), Pernambuco e Bahia, até chegar ao Rio de Janeiro. Na volta, passsou a atracar no porto de Lisboa somente a partir de abril de 1857, na segunda viagem do “Genova”. Nas duas últimas viagens, o porto de Lisboa também foi incluido no trajeto de ida.
Após a viagem inaugural do “Genova” sucederam-se na rota o “Torino”, o “Conte di Cavour”, o “Vittorio Emanuele”, o “Genova”, o “Conte di Cavour”, o “Torino” e, finalmente, o “Vittorio Emanuele”, que encerrou as operações da Companhia no Brasil com a sua partida do Rio de Janeiro em 1º de outubro de 1857.
A ligação com os Estados Unidos nunca foi posta em prática.
Os navios tinham capacidade para acomodar, em média, 250 passageiros, mas a excessiva demora da viagem fazia com que apenas um têrço dos lugares fossem ocupados e com que o transporte de carga fosse abaixo das estimativas dos armadores.
Com o insucesso, a Companhia tornou-se insolvente e seus navios foram leiloados para pagamento dos débitos.
Aspectos postais
Não se observam marcas postais brasileiras nas cartas transportadas pela Companhia a partir da América do Sul.
As correspondências eram despachadas pelos Agentes Consulares Sardos nas cidades de embarque. Liase em anúncio publicado em Buenos Aires no ano de 1856: “as cartas devem ser entregues ao Consulado da Sardenha... até as 11 horas da manhã do dia do embarque”. Por qualquer motivo, é bem superior o número de cartas expedidas de Buenos Aires àquelas do Brasil. Ali, o Consulado aplicava à partida um carimbo datador redondo sem cercadura, com a legenda “BuenosAyres”.
As correspondências entravam na Europa pelo porto francês de Marselha ou por Gênova. O Governo Sardo estabeleceu a tarifa de 11 décimos de Lira (1 Lira e dez décimos) para o 1º porte (até 7,5 gramas) das cartas que chegassem a Gênova ou que dali partissem para a América do Sul pelos vapores da Companhia. Todas as cartas que eram entregues em Gênova recebiam o carimbo retangular com cercadura “Vapori transatl.” (Fig. 2) e, quando indicado, a taxa devida pelo transporte marítimo. As cartas destinadas para a França pagavam a taxa local de 8 décimos e seus múltiplos e eram identificadas na chegada em Marselha pelos carimbos datadores circulares “Outre-Mer / Marseille” ou “Outr. Paq. Sarde / Marseille” (Figs. 3 e 4).
Cartas para outro países eram sujeitas às convenções postais em vigor.
Conhecemos correspondências em que é sugerido o pagamento antecipado da franquia nas Agências Consulares. Estas apresentam as marcas “PP” ou “PD” e não sofrem taxação na chegada a Gênova.
Cabe ainda mencionar o carimbo oval legendado, utilizado em algumas correspondências transportadas pelo navio “Genova” (Fig. 5) e o carimbo decorativo com imagem de navio e a legenda “Compagnia /Transatlantica”, utilizado em algumas cartas vindas da Europa (Fig. 6).
As correspondências para Portugal apresentam particularidades que serão comentadas quando de sua apresentação.
Cartas entrando na Península Italiana
Todas as cartas que conhecemos para a futura Itália destinavam-se a Gênova, a maioria delas proveniente dos países do Prata como na imagem a seguir.
Cartas entrando em Portugal
As sete cartas apresentadas a seguir, a primeira extraida do livro de Armando Vieira, representam a totalidade das cartas de que temos conhecimento endereçadas a Portugal e foram alvo de correspondência que mantivemos em 2004 com o colecionador Joseph Geraci, estudioso da Companhia. Como não havia Convenção Postal entre o Reino da Sardenha e o Brasil ou Portugal, a postagem das cartas era coletada em seus consulados, ao recebê-las para o despacho. O pré-pagamento era identificado através da marca “PP” (porte pago até o porto de desembarque) em sua frente e, eventualmente, anotado no seu verso. Não conhecemos os critérios adotados pelo consulado Sardo na fixação tarifa das cartas. Havia diferença entre as faixas de porte adotadas na Sardenha (em gramas) e aquelas adotadas em Portugal (em oitavas).
Conclusão
Este é mais um capítulo na história das pequenas companhias de navegação, que se atreveram, sem lograr êxito, a enfrentar o monopólio da “Royal Mail Steamship Company” sobre os nossos mares, em meados do século XIX.
Como visto, algumas questões ainda permanecem obscuras, em virtude da ausência de documentação pertinente. Conto com a colaboração dos pacientes leitores e pesquisadores de nossa História Postal Marítima.
Bibliografia:
1 – Raymond Salles – La Poste Maritime Française, Tome III - Published by James Bendon, Limassol, Cyprus - 1992/1993.
2 -Philippe J. Damian e Klerman W. Lopes - Caracteristicas das correspondências do Brasil para a França no século XIX - Tomo I - Ao Livro Técnico, 2003, Rio de Janeiro.
3 – Vieira, Armando Mario O. – Paquetes a vapor para o Brasil. Nucleo filatélico do Ateneu Comercial do Porto – 1991.
4 - Arseni, Alessandro - The Transatlantic Company - The Postal Gazette, December 2006.
5 - Magnani, Giorgio - Il tragitto transatlantico in Il Postalista (Pesquisa na Internet)
6 - The Rheinbach Meeting report, from 10 to 13/9/1999. The International Postal History Fellowship
7 - Kurchan, Mario - Historia Postal Maritima del Rio de la Plata -P & C Editora, Buenos
Aires, 1996.
8 - Geraci, Joseph - Correspondência pessoal, 2004.
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