Sobre o Selo
Esta emissão do conjunto do Bicentenário da Independência destaca a presença dos serviços de correios na entrega de correspondências, contendo notícias e informações acerca todo o cenário que se desenrolava. Na esquerda do selo está o desenho de um personagem com vestes coloniais entregando um malote com envelopes, e na porção direita, dois indígenas - seguindo o relato histórico que percorriam o caminho em duplas - se embrenhando pela mata. Logo acima do personagem que contrata o serviço de entrega está um desenho de uma construção com o nome Correios, aqui retratado de forma simbólica. A técnica usada foi ilustração manual com lápis de cor.
Correios e a Independência
Em 1798, uma reforma de Correios iniciada pela Coroa portuguesa iria modificar o funcionamento da comunicação à distância, feita então por cartas, de maneira substancial. A partir de então, o direito de organizar o serviço de transporte de correspondência e de auferir lucros advindos desta atividade pertenceriam diretamente à alçada real. Antes, os Correios eram monopólio de uma família, que explorava a atividade de forma privativa, tanto em Portugal quando no ultramar, desde o século XVII. A partir deste momento, os representantes régios na América portuguesa se incumbiram por montar toda uma estrutura administrativa (até então inexistente) responsável por enviar, receber e distribuir cartas. Este sistema postal, embora não organizado de forma centralizada e pouco coeso, se expandiu e se manteve até os primeiros anos do Brasil independente.
Os Correios instituído às vésperas da ruptura com Portugal, contudo, não eram a única forma de se enviar correspondência e encomendas. Isso porque, desde antes de 1798, existiam outros sistemas que faziam a informação à distância circular: desde navios de comércio que levavam e traziam cartas por mar, até viajantes de caminhos e tropeiros que levavam por terra notícias escritas e encomendas. Toda esta estrutura não deixou de existir no período das reformas, e os Correios então instituídos passaram a representar apenas uma dentre várias possibilidades da população alfabetizada de enviar papéis escritos. E essa variedade de meios comunicativos desempenhou um papel importante na Independência, quando então discussões políticas e múltiplos projetos de organização social circulavam em periódicos, livros e manuscritos, que poderiam passar pelo Correio, mas também por fora dele.
A própria entrega da carta que culminou no 7 de setembro é um exemplo desta multiplicidade. Paulo Emílio Bregaro foi um personagem que marcou bastante a memória projetada posteriormente da participação dos Correios na Independência. Ele foi ressaltado em outras comemorações da mesma data, a exemplo do sesquicentenário em 1972. Oficial militar, Bregaro foi aquele que levou a correspondência da Corte do Rio de Janeiro para São Paulo para notificar D. Pedro I das atualizações da situação com Portugal. Contudo, embora Bregaro fosse “correio” (ou seja, um oficial que entregava cartas, não necessariamente ligado à Administração postal), ele não fazia parte do Correio Geral Rio de Janeiro, não sendo, portanto, um empregado da instituição. Neste e em outros momentos, era comum que as forças armadas transportassem a comunicação à distância, em paralelo aos serviços do Correio Geral. A construção da memória em torno de Bregaro, já nas comemorações do século XX, demonstram o esforço de inserir os Correios na história oficial de Estado sobre a Independência, voltada para o núcleo de elite que articulou este movimento político. Pouco nos revela, portanto, sobre a estrutura de correios da época atuante de fato, como ela estava instituída, e qual seu papel neste momento.
Neste ano do bicentenário da Independência, o mote de algumas emissões postais sobre este motivo se voltaram para um entendimento mais amplo do movimento emancipatório, procurando, sempre que possível, trazer à luz artes imaginadas a partir de informações acerca de outras participações do contexto político da época, para além da elite. Tendo isso em vista, o selo a respeito da participação dos Correios na Independência ressalta a estrutura da entrega das cartas na primeira metade do século XIX, a partir da perspectiva de como a instituição Correios, formada apenas alguns anos antes, em 1798, funcionava com o trabalho de pessoas de ambientes diversos, que então integravam a sociedade da época. Esta arte, que traz elementos como a Administração postal, seu oficial responsável e os indígenas transportadores de carta, busca cumprir este papel. Cabe lembrar, contudo, que a arte feita a partir de informações históricas, nunca é (e nem pretende ser) uma releitura exata do passado, e sim uma representação acerca do significado dos eventos históricos para o momento presente. Referências historiográficas, bem como a visão e a criatividade da artista se juntam para construir uma nova memória a respeito da participação dos Correios na Independência.
Os indígenas são personagens importantes quando pensamos a América portuguesa. A história das diversas etnias que aqui viviam antes da chegada dos europeus foi marcada, após o contato, por diversos tipos de resistência e estratégias de sobrevivência. A luta pela permanência nas terras e a expulsão violenta feita pelos portugueses foi tônica comum durante todo o período colonial, e também depois dele. Outro tipo de estratégia foi também a integração de indígenas na estrutura colonial, sendo que alguns passaram a atuar na organização administrativa que a Coroa portuguesa construiu em território americano. Esse foi o caso das comunicações, especificamente entrega de cartas e encomendas, haja vista que os indígenas sempre foram grandes conhecedores dos deste vasto território. No contexto específico dos anos posteriores a Independência, fontes relativas aos Correios apontam a atuação de indígenas contratados para levar, semanalmente ou a cada 15 dias, cartas em vilas e cidades de capitanias como Ceará ou Pernambuco. Estes empregados faziam parte da estrutura postal oficial da época e eram transportadores da comunicação escrita, papel muito similar ao desempenhado por Paulo Bregaro no contexto que levou ao 7 de setembro. Entretanto, os “índios correios” não participaram somente de uma entrega eventual de uma carta considerada importante. Eles eram os responsáveis por manter a comunicação à distância cotidianamente. Por meio dos documentos escritos da época, também podemos notar que eles peticionavam a favor de melhores salários e condições de trabalho, indicando a tensão entre este grupo social e os aparatos administrativos da América portuguesa. Devido ao fato dessa documentação ter sido escrita pela instituição postal, pouco se sabe a respeito desses indígenas, pois especificidades como a etnia de que faziam parte eram sempre deixadas de fora das anotações.
Assim, no Bicentenário da Independência, os Correios buscaram ressaltar outros indivíduos participantes da história postal, que nem sempre são lembrados em selos, mas que ganham cada vez mais espaço nos estudos históricos sobre o tema e agora ganham destaque também na área filatélica.
Dra. Mayra Guapindaia
Historiadora - Museu Correios
Detalhes Técnicos
Edital nº 15
Arte: Taisa Borges
Processo de Impressão: Ofsete
Papel: cuchê gomado
Folha com 12 selos
Valor facial: 1º Porte da Carta
Tiragem: 96.000 selos
Área de desenho: 35 x 25mm
Dimensão do selo: 40 x 30mm
Picotagem: 11,5 x 12
Data de emissão: 9/10/2022
Locais de lançamento: Brasília/DF, Belém/PA e Rio de Janeiro/RJ
Impressão: Casa da Moeda do Brasil
New Issue | Bicentenary of Independence - Presence of Correios
About the Stamps
This Independence Bicentennial set features the presence of the postal service in the delivery of mail, containing news and information about the whole scenario that was unfolding. On the left side of the stamp is a drawing of a character in colonial garb handing over a suitcase containing envelopes, and on the right side, two indigenous people — following the historical narrative that they traveled the road in pairs — wandering through the forest. Just above the character who hires the delivery service is a drawing of a building with the name Correios, pictured here in a symbolic way. The technique used was manual illustration with colored pencils.
Correios and the Independency
In 1798, a postal reform initiated by the Portuguese Crown would change the functioning of long-distance communication, then done by letters, in a substantial way. From then on, the right to organize the mail transport service and to earn profits from this activity would belong directly to the royal jurisdiction. Before, Correios was a monopoly of one family, which explored the activity privately, both in Portugal and overseas, since the 17th century. From that moment on, the royal representatives in Portuguese America were in charge of setting up an entire administrative structure (nonexistent until then) responsible for sending, receiving and distributing letters. This postal system, although not centrally organized and not very cohesive, expanded and was maintained until the first years of independent Brazil.
Correios established on the eve of the break with Portugal, however, was not the only way to send mail and parcels. This is because, since before 1798, there were other systems in place that circulated information at a distance: from trading ships that carried and brought letters by sea, to way travelers and muleteers who brought written news and parcels overland. All this structure did not cease to exist during the reform period, and Correios then instituted represented only one of several possibilities for the literate population to send written papers. And this variety of communication media played an important role in Independence when then political discussions and multiple projects of social organization circulated in periodicals, books, and manuscripts, which could pass through the Correio, but also outside it.
The very delivery of the letter that culminated on the September 7—the date of Brazil’s Independence—is an example of this multiplicity. Paulo Emílio Bregaro was a character who greatly marked the later projected memory of the Correios’ participation in Independence. He has been highlighted in other commemorations of the same date, such as the sesquicentennial in 1972. A military officer, Bregaro was the one who took the correspondence from the Court of Rio de Janeiro to São Paulo to notify D. Pedro I of the updates on the situation with Portugal. However, although Bregaro was a “postmaster” (that is, an officer who delivered letters, not necessarily connected to the Postal Administration), he was not part of the Correio Geral Rio de Janeiro, and was therefore not an employee of the institution. At this and other times, it was common for the military to carry communication at a distance, in parallel with the services of the General Correio. The construction of the memory around Bregaro, already in the 20th-century commemorations, demonstrates the effort to insert Correios in the official state history about Independence, focusing on the elite core that articulated this political movement. Little is revealed to us, therefore, about the post office structure of the time actually operating, how it was set up, and what its role was at this time.
In this year of the bicentennial of Independence, the motto of some postal issues on this motif turned to a broader understanding of the emancipatory movement, trying, whenever possible, to bring to light imagined arts based on information about other participations in the political context of the time, besides the elite. With this in mind, the stamp about the Correios participation in Independence highlights the structure of letter delivery in the first half of the 19th century, from the perspective of how the Correios institution, formed only a few years earlier, in 1798, functioned with the work of people from diverse environments, which then integrated the society of the time. This artwork, which features elements such as the Postal Administration, its officer in charge, and the indigenous letter carriers, seeks to fulfill this role. It is worth remembering, however, that art made from historical information is never (and never intends to be) an exact retelling of the past, but rather a representation about the meaning of historical events for the present moment. Historiographical references, as well as the artist’s vision and creativity, come together to build a new memory of the Post Office’s participation in Independence.
The indigenous people are important characters when we think about Portuguese America. The history of the various ethnic groups that lived here before the arrival of the Europeans was marked, after contact, by various types of resistance and survival strategies. The struggle to remain on the land and the violent expulsion by the Portuguese was a common theme throughout the colonial period, and also afterwards. Another type of strategy was also the integration of indigenous people in the colonial structure, with some of them working in the administrative organization that the Portuguese Crown built in American territory. This was the case with communications, specifically the delivery of letters and packages, since the indigenous people have always been very knowledgeable about this vast territory. In the specific context of the years after Independence, sources relating to Correios point to the activities of the indigenous people hired to carry, on a weekly or fortnightly basis, letters to towns and cities in captaincies such as Ceará or Pernambuco. These employees were part of the official postal structure of the time and were carriers of written communication, a role very similar to the one played by Paulo Bregaro in the context leading up to September 7. However, the “indigenous postmasters” did not just participate in the eventual delivery of a letter considered important. They were responsible for keeping the distance communication going on a daily basis. Through the written documents of the time, we can also note that they petitioned for better wages and working conditions, indicating the tension between this social group and the administrative apparatus in Portuguese America. Due to the fact that this documentation was written by the postal institution, little is known about these indigenous people, because specificities such as the ethnicity to which they belonged were always left out of the notes.
Thus, in the Bicentennial of Independence, Correios sought to highlight other individuals who participated in postal history, who are not always remembered on stamps, but who are gaining more and more space in historical studies on the subject and now also gaining prominence in the philatelic area.
Mayra Guapindaia, Ph.D.
Historian - Correios Museum
Technical Details
Stamp issue N. 15
Art: Taisa Borges
Print system: offset
Paper: gummed chalky paper
Sheet with 12 stamps
Facial value: 1st class rate for domestic mail
Issue: 96,000 stamps
Design area: 35 x 25mm
Stamp dimensions: 40 x 30mm
Perforation: 11.5 X 12
Date of issue: October 9th, 2022
Places of issue: Brasília/DF, Belém/PA and Rio de Janeiro/RJ
Printing: Brazilian Mint
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