Sobre o Selo
Através do conceito de Utopia e a ideia de um país em construção o artista se apropria de diversas imagens históricas de manifestações populares no Brasil e cria uma nova imagem, uma Utopia Reinventada a partir de lutas sociais e manifestações populares. Utilizando a palavra como objeto simbólico o artista cria uma imagem composta por milhares de letras, frases e palavras que propõem a reinvenção da utopia Brasileira através do poder da memória (como um lugar de luta e disputa por narrativas sociais). O poder de contar e escrever a própria história é também a possibilidades de construir um futuro mais justo para o Brasil, um projeto de futuro que possa valorizar narrativas de igualdade e de justiça social. A técnica utilizada foi datilografia, carimbo e xerografia sobre papel.
Bicentenário da Independência
Movimentos Populares
A Independência do Brasil quase sempre foi contada e recontada como se ela tivesse sido, simplesmente, um grande acordo entre elites interessadas na manutenção e reforço de seus interesses políticos e econômicos. Em consequência desse acordo, a imensa maioria da população do Brasil à época – cerca de 3 milhões de pessoas – teria ficado completamente fora de um processo supostamente linear, sem grandes solavancos e fundamentalmente pacífico. Ao longo dos últimos 200 anos, essa versão da Independência foi sendo reforçada por um dos grandes mitos fundadores de nossa história nacional: a de um país criado e desenvolvido sem guerras, sem excessiva violência, e povoado por habitantes de índole pacífica, cordata e propensa ao entendimento.
Não custa provar que nossa história não foi assim: basta olhar ao nosso redor e para como tem vivido a imensa maioria dos brasileiros nos últimos dois séculos. Tampouco a Independência, capítulo fundador e central da história brasileira em geral, foi assim. É bem verdade que a separação política entre Brasil e Portugal teve acordos entre elites, entendimentos de poderosos em defesa de seus interesses comuns, e transições negociadas que resultaram em um país que, desde o seu nascimento, tem características bastante peculiares, nem sempre bem decodificadas por quem sobre ele lança um primeiro e despreparado olhar. Mas ela também teve muita, muita violência. A começar pela violência inescapável a toda sociedade – como era a do Brasil de começos do século XIX – assentada na escravidão. Teve também violência sob a forma de conflitos armados, civis e militares, e que durante a década de 1820 ocorreu em muitas regiões do país que estava se formando, inclusive as guerras na Bahia, Maranhão, Piauí, Pará e na Província Cisplatina (atual Uruguai, à época parte do Reino e depois Império do Brasil). E mesmo que o embate entre diferentes projetos políticos, típico da Independência, nem sempre tenha descambado para a violência aberta, a imprensa da época e as manifestações das ruas potencializaram ainda mais diversas formas de participação popular que não deveriam, jamais, ser menosprezadas. Mesmo que elas não tenham sido a principal força em atuação na Independência.
Na historiografia da Independência, a participação popular sempre esteve na mira de muitos tentos e importantes historiadores que, no entanto, quase sempre se constituíram em vozes minoritárias. José Honório Rodrigues, por exemplo, na década de 1970 dedicou significativas páginas de sua vasta obra, Independência: revolução e contra-revolução, ao tema da participação popular. Anos depois, o crescimento dos estudos focados na escravidão negra, na história indígena e no campo do direito foram ativos revisores do tema, dando-lhe novas dimensões. Atualmente, os estudos sobre a Independência estão mais ávidos do que nunca de prosseguir nessa trajetória.
Também pudera: vivemos em um Brasil à flor da pele sensível ao até agora perene problema das diferenças sociais, reforçado por renovadas perspectivas de combate ao racismo, ao machismo, ao sexismo e a todas as demais formas de preconceito e exclusão. Os estudiosos do passado, por dever de ofício sempre sensíveis ao mundo que, no presente, os rodeia e os informa, nunca estiveram tão à vontade para reconhecer: a Independência do Brasil teve, sim, participação popular.
O que não significa, claro, um salvo-conduto para se exagerar e distorcer tal participação. Ela pode não ter sido elemento central nas linhas de força que definiram a Independência. Mas a separação entre Brasil e Portugal, que criou as condições para a criação de um Estado, de uma nação e de uma identidade nacional brasileiros que não existiam antes de 1822, foi também resultado de ações, ideias, visões de mundo, anseios e frustrações localizados, principalmente, entre camadas mais inferiorizadas da sociedade da época. E como nos ensinam os grandes mestres historiadores, a história dos perdedores, por tê-los feito perdedores, não deve jamais ser confinada ao esquecimento. Inclusive porque a história, como realização humana, é, sempre, um caminho em aberto e que pode conduzir a diferentes lugares, a depender das vontades e das condições de seus únicos protagonistas. Vencidos do passado podem vir a ser vencedores do futuro.
E assim, a iniciativa dos Correios de evocar e homenagear a participação popular na Independência do Brasil por meio de um selo se constitui em um destacado marco do Bicentenário de 2022, oferecendo aos brasileiros um excelente pretexto para que este Bicentenário de tão importante acontecimento seja, mais do que um manancial de festejos, um convite ao conhecimento e ao entendimento de seu país, de sua história e do lugar em que, neles, cada um de nós ocupa.
João Paulo Garrido Pimenta
Professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo - USP
Detalhes Técnicos
Edital nº 8
Arte: Hal Wildson
Processo de Impressão: Ofsete
Papel: cuchê gomado
Folha com 10 selos
Valor facial: 1º Porte da Carta
Tiragem: 80.000 selos
Área de desenho: 44 x 26mm
Dimensão do selo: 44 x 26mm
Picotagem: 11 x 11,5
Data de emissão: 25/6/2022
Locais de lançamento: Cachoeira/BA e Rio de Janeiro/RJ
Impressão: Casa da Moeda do Brasil
Commemorative Postal Issue | Bicentenary of Independence – Popular Movements
About the Stamp
Through the concept of Utopia and the idea of a country under construction, the artist appropriates several historical images of popular manifestations in Brazil and creates a new image, a Utopia Reinvented from social struggles and popular manifestations. Using the word as a symbolic object, the artist creates an image composed of thousands of letters, phrases and words that propose the reinvention of the Brazilian utopia through the power of memory (as a place of struggle and dispute for social narratives). The power to tell and write one's own history is also the possibility of building a fairer future for Brazil, a future project that can value narratives of equality and social justice. The technique used was typing, stamping and xerography on paper.
Bicentenary of Independence
Popular Movements
The Independence of Brazil was almost always told and retold as if it had been, simply, a great agreement between elites interested in the maintenance and reinforcement of their political and economic interests. As a result of this agreement, the vast majority of the population of Brazil at the time – around 3 million people – would have been completely outside of a supposedly linear, smooth and fundamentally peaceful process. Over the last 200 years, this version of Independence has been reinforced by one of the great founding myths of our national history: that of a country created and developed without wars, without excessive violence, and populated by peaceful, understanding understanding people.
It doesn't take much to prove that our history was not like that: it just takes a look around us and to how the vast majority of Brazilians have lived in the last two centuries. Nor was Independence, the founding and central chapter of Brazilian history in general, like that. It is true that the political separation between Brazil and Portugal had agreements between elites, understandings of the powerful people in defense of their common interests, and negotiated transitions that resulted in a country that, since its birth, has very peculiar characteristics, not always well decoded by those who casts a first and unprepared look at it. But this separation also had a lot, a lot of violence. Starting with the inescapable violence of all those societies– as it was the case in Brazil at the beginning of the 19th century – based on slavery. There was also violence in the form of armed, civil and military conflicts, which during the 1820s took place in many regions of the country that was being formed, including the wars in Bahia, Maranhão, Piauí, Pará and in the Cisplatina Province (current Uruguay, at the time part of the Kingdom and later the Empire of Brazil). And even though the clash between different political projects, typical of Independence, did not always lead to open violence, the press of the time and the street demonstrations further potentiated diverse forms of popular participation that should never be overlooked. Even though they were not the main force acting in the Independence.
In the historiography of Independence, popular participation has always been in the sights of many attempts and important historians who, however, almost always constituted minority voices. José Honório Rodrigues, for example, in the 1970s dedicated significant pages of his vast work, Independence: revolution and counter-revolution, to the theme of popular participation. Years later, the growth of studies focused on black slavery, indigenous history and the field of law were active reviewers of the topic, giving it new dimensions. Currently, independence studies are more eager than ever to continue along this path.
It couldn’t be any different: we live in a Brazil that is sensitive to the until now perennial problem of social differences, reinforced by renewed perspectives on combating racism, machismo, sexism and all other forms of prejudice and exclusion. Scholars of the past, due to their professional duty always sensitive to the world that, in the present, surrounds and informs them, were never so comfortable in recognizing: the Independence of Brazil did have popular participation.
Which, of course, does not mean a safe-conduct to exaggerate and distort such participation. It may not have been a central element in the lines of force that defined Independence. But the separation between Brazil and Portugal, which created the conditions for the creation of a Brazilian State, a nation and a national identity that did not exist before 1822, was also the result of actions, ideas, worldviews, anxieties and frustrations located mainly among the most inferiorized groups of society at the time. And as the great master historians teach us, the history of losers, having made them losers, must never be confined to oblivion. Also because history, as a human achievement, is always an open path that can lead to different places, depending on the wishes and conditions of its only protagonists. Losers of the past can become winners of the future.
And so, the initiative of the Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, of evoking and honoring popular participation in the Independence of Brazil through a stamp, constitutes an outstanding landmark of the Bicentennial of 2022, offering Brazilians an excellent pretext for the Bicentennial of such an important event to be more than a source of festivities, but also an invitation to the knowledge and understanding of their country, its history and the place in which, in them, each of us occupies.
João Paulo Garrido Pimenta
Professor at the Department of History of University of São Paulo - USP
Technical Details
Stamp issue N. 8
Art: Hal Wildson
Print system: offset
Paper: gummed chalky paper
Sheet with 10 stamps
Facial value: 1st class rate for domestic mail
Issue: 80,000 stamps
Design area: 44 x 26mm
Stamp dimensions: 44 x 26mm
Perforation: 11 x 11.5
Date of issue: June 25th, 2022
Places of issue: Cachoeira/BA and Rio de Janeiro/RJ
Printing: Brazilian Mint
コメント