Março de 2010
Em 2003, eu e o saudoso amigo Philippe Jean Damian publicamos livro em dois volumes sobre as relações postais entre o Brasil e a França no século XIX, com base na bibliografia brasileira e francesa a que tivemos acesso.
Apresentamos um abrangente estudo sobre a Convenção Postal de 1860, da qual possuíamos o texto original, comentando diversas correspondências baseadas naquele evento. A majoração dos portes em 14,3% em função da mudança da taxa de câmbio - de 1 Franco por 350 Réis para 1 Franco por 400 Réis - ocorrida nos últimos dias de 1870, foi também citada e ilustrada. Porem ocorreram lacunas importantes, pois, embora os principais artigos da Convenção Brasil-França de 30 de março de 1874 fossem referidos em nossa publicação, não conseguimos as tabelas de porte. A referência a algumas franquias foi obtida em citações esparsas e pelo exemplo de correspondências circuladas. O Decreto 4659 do Presidente da França, promulgando a sua execução naquele país a partir de 1º de janeiro de 1876, também não era de nosso conhecimento. No Brasil, a homologação da Convenção de 1874 ocorreu em 16 de setembro de 1874, como determinava o Decreto 5743, publicado em “Actos do Poder Executivo”, do Império. No entanto, a Convenção só entrou em vigor no Brasil a partir de 1º de janeiro de 1875, segundo comunicação do Ministério da Agricultura e Comércio, a quem os Correios do Império estavam subordinados.
Não tenho como explicar a demora da sua promulgação na França, pois não encontro diferença significativa entre o texto de 1875 (a seguir) e o que foi acordado em 1874. O texto original da Convenção de 1874, assinada em 30 de março no Rio de Janeiro pelo Visconde de Caravellas, Secretário de Estado para assuntos estrangeiros do Brasil e pelo Sr. Léon-Alexis Noël, Ministro plenipotenciário da França, previa a sua ratificação futura em Paris.
É importante notar que os ditames da Convenção de 1874 vigoraram por curto período, posto que em 1º de julho de 1877 o Brasil e a França aderiram ao acordo da “Union Génerale des Postes”, conhecido como “Tratado de Berna”.
Com a ajuda dos filatelistas Robert Abensur, da França e Jeffrey Bohn, dos Estados Unidos e José Fran- cisco de Paula Sobrinho, do Brasil, consegui informações complementares ao nosso trabalho de 2003. Como penso tratar-se de acréscimos relevantes para os interessados na História Postal Brasileira, coloco-as à disposição dos nossos estudiosos.
“Decreto 4659 do governo francês, para a execução da Convenção Postal concluída em 30 de março de 1874, entre a França e o Brasil” - Promulgado em 16 de novembro de 1875.
OBS: os valores entre parêntesis correspondem às tarifas equivalentes aplicadas pelo Correio brasileiro, constantes no texto original da Convenção de 1874. Taxa vigente de câmbio de 400 Réis brasileiros por cada Franco Francês.
Art. 1º - As taxas ou direitos a receber pela administração francesa na franquia de cartas ordinárias, registradas, pacotes de mercadorias, jornais, impressos, etc. que serão expedidos da França e da Argélia em direção ao Brasil pelos navios-correio subvencionados pelo Governo francês e brasileiro, pelos navios mercantes navegando entre os portos da França e do Brasil e pelos navios-correio britânicos fazendo um Serviço regular en- tre os portos da Grã-Bretanha e do Brasil, serão pagos
pelos remetentes da seguinte forma:
A) Cartas ordinárias: franquia facultativa até o destino, tarifa de 1 Franco (400 Réis) por cada 15g de peso ou fração equivalente.
B) Cartas registradas: franquia obrigatória até o destino, tarifa de 1 Franco (400 Réis) por cada 15g de peso ou fração equivalente, acrescido de 50 cêntimos de Franco (200 Réis) pela taxa de registro.
C) Pacotes de mercadoria ou impressos de qualquer natureza: franquia obrigatória até o destino, tarifa de 15 cêntimos de Franco (60 Réis) por cada 40g de peso ou fração equivalente.
Art. 2º – As taxas a receber em função do Artigo precedente serão quitadas por meio de selos de franquia que a Administração dos Correios está autorizada a vender. Quando os selos colocados em uma carta remetida ao Brasil forem de valor inferior ao da franquia estabelecida, o destinatário pagará uma taxa equivalente à diferença entre o valor dos selos postados e a franquia a ser cobrada de uma carta não franqueada de mesmo peso. Valores inferiores a 5 cêntimos (20 Réis) não serão considerados para cálculo da franquia a pagar.
Art. 3º - Uma taxa de franquia de 1 Franco por cada 15g de correspondência ou fração, acrescida de multa fixa de 30 cêntimos, será aplicada pela Administração dos Correios franceses nas cartas não franqueadas ou com franquia insuficiente destinadas à França ou à Argélia. (Franquia de 400 Réis e multa de 120 Réis a ser aplicada pelo Correio brasileiro). Em caso de franquia insuficiente, o valor dos selos de correio aplicados nas cartas será deduzido da taxa a ser paga pelo destinatário.
Art. 4º - As cartas registradas remetidas ao Brasil só poderão ser postadas em envelope fechado por meio de dois lacres de cera.
Art.5º - No caso de extravio de carta registrada enviada da França ao Brasil e vice-versa, uma indenização de 50 Francos será paga ao remetente. O prazo da reclamação será de 6 meses.
Art. 6º - Para beneficiar-se da redução de tarifa citada no Art. 1º, os pacotes de mercadoria e os impressos deverão estar com a franquia completa sobre uma banda, para facilitar sua verificação, e não deverão apresentar escritos além do endereço do destinatário nem ter valor venal. Os impressos que não atenderem àquelas recomendações serão considerados como cartas e assim taxados.
Art. 7º - As cartas ordinárias e registradas, os pacotes de mercadorias e impressos de qualquer natureza que os Correios brasileiros enviarem ao Correios franceses e que apresentem um carimbo com a marca “P.D.” (pago até o destino) serão isentos de qualquer taxa a ser paga pelos destinatários.
Art. 8º - Os jornais e demais impressos estarão sujeitos às leis de publicação e circulação francesas.
Art. 9º - Não será admitido o envio como correspondência de qualquer item sujeito a direitos alfandegários.
Art. 10º - As disposições do presente decreto entrarão em vigor a partir de 1º de janeiro de 1876. Ficam revogadas as disposições em contrário.
Versailles, 16 de novembro de 1875.
Anexas ao presente decreto encontravam-se as tabelas incluídas no final deste trabalho, indicando as tarifas para as cartas e impressos brasileiros destinados a diversos países, utilizando os serviços postais franceses e brasileiros (Tabelas A e B).
Em outra tabela (C), publicada pelo Ministério da Agricultura brasileiro, observamos o aumento em 20 Réis (de 60 para 80 Réis) na tarifa postal para Portugal.
A seguir, imagens e comentários em algumas peças do meu acervo, circuladas durante o período de vigência da Convenção de 1874.
1- Portes para a França – Transporte por navios franceses
a) Franquias regulares
b) Cartas taxadas na França, conforme o Art. 3º da Convenção
2- Portes para a França – Transporte por navios britânicos Cartas taxadas na França, conforme o Art. 3º da Convenção
3- Porte para a Suíça
4- Portes para Portugal – Correio por navios franceses Aqui aparece uma questão interessante: embora a
tabela francesa da Convenção de 1874 estabelecesse um porte de 60 Réis por carta simples (vide tabela A), outra tabela, impressa pelo Correio Brasileiro (vide tabela C) informa o porte de 80 Réis para o mesmo destino. De fato, esse é o porte que encontramos na maioria das cartas que conhecemos (algumas apresentam sobreporte de 100 Réis).
Comentário final
Embora previsto, não tenho conhecimento de barcos brasileiros, mesmo os de comércio, operando o transporte de correspondência para os países da Europa sob o regulamento da Convenção de 1874.
Excetuando-se as franquias de 400 Réis e seus múltiplos para a França, considero escassos os portes para Portugal e raras as demais franquias regidas pela Convenção de 1874. Solicito aos filatelistas a gentileza de verificar as peças em seus arquivos e enviar para klerman47@gmail.com.br as imagens com os portes para outros países.
Como sempre, peço aos estudiosos os seus comentários, críticas e sugestões.
Dedico esta apresentação à memória de Philippe Jean Damian.
Tabela A
Tabela B
Tabela C
Artigo gentilmente cedido pelo autor.
Comments